Matéria e forma
Insatisfeito com a perspectiva platônica, Aristóteles defendeu a noção
de hilemorfismo (das palavras gregas hylé, ‘matéria’; e morphé,
‘forma’), segundo a qual todas as coisas são resultantes de dois princípios diferentes
e complementares: a matéria e a forma. A matéria é aquilo de que
a coisa é feita; a forma é o que faz com que a coisa seja aquilo que é. no caso
do ser humano, o corpo físico é a matéria, enquanto a forma é dada pela alma.
Mais do que em Platão, essas duas realidades são inseparáveis, embora
distintas. uma só pode agir em conjunto com a outra.
Potência e ato
Aristóteles também retomou o problema da permanência e da mudança (a
clássica polêmica entre Heráclito e Parmênides) e realizou uma reviravolta: sem
questionar o estatuto da mudança em si, procurou analisar a realidade que
muda (o ser imbricado no não ser), entendendo que o movimento existe e que
não se encontra fora das coisas.
Desse modo, observou que uma semente não é uma planta, assim como um
livro não é uma planta. Mas a semente pode tornar-se uma árvore, enquanto o
livro não pode. isso quer dizer que, em todo ser, devemos distinguir:
• o ato –
a manifestação atual do ser, aquilo quele já é (por exemplo: a semente é, em
ato, uma
semente);
• a potência
– as possibilidades do ser (capacidade de ser), aquilo que ainda não é mas
que pode
vir a ser (por
exemplo: a semente é, em potência, a árvore).
Conforme essa concepção, todas as coisas naturais são ato e potência,
isto é, são algo e podem vir a ser algo distinto. Uma semente pode tornar-se
uma árvore se encontrar as condições para isso, do mesmo modo que uma árvore
que está sem flores pode se tornar, com o tempo, uma árvore florida,
manifestando em ato aquilo que já continha intrinsecamente como potência.
Enfim, potência e ato explicam a mudança no mundo, o movimento e a
transitoriedade das coisas. Relacionando essas dualidades de princípios nos
seres (matéria e forma; potência e ato), podemos observar um paralelismo entre
matéria e potência e entre forma e ato: a matéria indeterminada é o ser em
potência; a forma é o ser em ato.
Primeiro motor
Aristóteles também refletiu sobre a questão da origem do mundo. Para
ele, o mundo é eterno, isto é, nunca teve um princípio e nunca terá um fim,
tendo em vista que as próprias noções de princípio e de fim contrariam sua
concepção de movimento.
Se o movimento é a passagem da potência ao ato – em que varia a forma,
mas se mantém a matéria –, isso implica que há sempre um algo antes (do qual se
parte) e um algo depois (ao qual se chega), como o anel que se converteu em
correntinha ou a semente em árvore. Portanto, é impossível conceber o “começar”
do mundo sem entrar em contradição, pois faltaria o ponto de partida do
movimento (o algo antes que possibilita o movimento). E é igualmente inconcebível o “terminar” do
mundo, pois nesse caso faltaria o ponto de chegada do movimento. Desse modo,
Aristóteles concluiu que o mundo é um movimento eterno, sem começo nem fim.
Nos seres artificiais, todas essas causas intervêm, sendo as duas
últimas extrínsecas a esses seres. O problema dessa conclusão é que ela não
explica totalmente o problema do movimento do mundo, pois tudo que se move deve
ter sido colocado em movimento por algo (um agente motor), que, por sua vez,
foi colocado em movimento por algo mais, e assim por diante. E como essa
sequência não pode continuar infinitamente, pois deve se deter em algum ponto
ou em algo, que seria a causa primeira do movimento. Assim, ponderou
Aristóteles, “tem de haver algo que seja eterno, substância e ato, e que mova
sem mover-se” (Metafísica, Xii, 7, 1072a). É então que o filósofo formula a
doutrina do primeiro motor ou motor imóvel, a causa primeira de todo movimento.
Observe que o primeiro motor só poderia ser imóvel, porque, do
contrário, precisaria de algum outro motor que causasse seu mover. Portanto, para
ser o primeiro, deve ser necessariamente imóvel, apesar de causador de todo
movimento existente no mundo.
Agora você pode estar se perguntando: “Como pode algo imóvel gerar
movimento?”. Aristóteles respondeu que é por atração, pois todas as coisas tendem
àquilo que é bom, belo ou inteligente, e o primeiro motor – entendido como ato
puro e perfeição – é tudo isso, ou seja, o primeiro motor funciona como causa
final do mundo.
Vemos, assim, por que a concepção de mundo aristotélica é considerada
teleológica, pois há uma primazia da causa final. É, enfim, o para quê, a
finalidade, o télos, aquilo que determina a passagem da potência ao ato,
comandando o movimento do real.
Fontes: COTRIM,
Gilberto. Fundamentos de filosofia / Gilberto Cotrim, Mirna Fernandes. -- 4.
ed. -- São Paulo:Saraiva, 2016.
GALLO, Sílvio. Filosofia
: experiência do pensamento : volume único / Sílvio Gallo. – 1. ed. – São
Paulo: Scipione, 2013.
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